domingo, 26 de outubro de 2008

CONVITE

REFORMA PROTESTANTE
491 ANOS


VENHA CELEBRAR CONOSCO!

SEXTA

31 DE OUTUBRO

20:00 HORAS


IGREJA CONGREGACIONAL REFORMADA

RUA PRIMEIRO DE MAIO, 185 – CENTRO
CARUARU (Próximo ao IPTU)




"Tendo sido, pois, justificados pela fé, temos paz
com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo".
(Apóstolo Paulo)

MONUMENTOS AOS REFORMADORES NA SUIÇA

Os principais mestres do calvinismo foram, além do próprio Calvino, seu companheiro Farel, seu sucessor Beza e João Knox, o reformador da Escócia. Suas menórias se celebram no monumento da Reforma, em Genebra.

JOÃO CALVINO

MARTINHO LUTERO

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Vídeo em Homenagem aos Reformadores

Zuínglio,Lutero, Calvino, Farel, Knox e Outros

IDENTIDADE REFORMADA E CONFESSIONALIDADE

Alderi Souza de Matos


Introdução
Uma das características originais da tradição reformada foi a sua confessionalidade. Nos séculos 16 e 17, os reformados, mais do que outras tradições protestantes, preocuparam-se em expressar formalmente as suas convicções doutrinárias por meio de declarações escritas. Essas declarações foram de dois tipos: confissões de fé e catecismos. As confissões de fé são documentos dirigidos tanto a um público interno quanto externo e consistem em uma exposição sistemática dos principais pontos da fé reformada. Já os catecismos são dirigidos principalmente aos fiéis, especialmente as crianças e os jovens, e geralmente têm a forma de perguntas e respostas.


Ao lado do pensamento dos reformadores suíços, essas declarações de fé constituem uma das principais fontes da teologia reformada. Elas são notáveis pelo seu número e variedade: a comunidade reformada formulou pelo menos cinqüenta confissões de alguma importância nos primeiros 150 anos. Algumas foram redigidas por indivíduos e outras por grupos; algumas são muito simples, outras altamente elaboradas. Seus tópicos são os temas clássicos da teologia reformada: Deus e o seu senhorio, a autoridade das Escrituras, o pecado e a salvação, a eleição, os sacramentos, a vida cristã (ética), etc. Muitos desses documentos abordam passagens clássicas da Escritura e da tradição cristã, tais como os Dez Mandamentos, a Oração do Senhor e o Credo dos Apóstolos (os reformados também aceitam os credos, as declarações de fé da igreja antiga).


1. Objetivos das declarações confessionais
a) Declaratório: dar testemunho aos outros acerca da fé pessoal e coletiva (1 Pe 3.15).

b) Apologético: mostrar às autoridades e a outros grupos religiosos que a fé reformada estava em harmonia com as Escrituras.

c) Didático: ensinar aos fiéis (inclusive crianças, jovens e novos convertidos) as verdades centrais da fé bíblica.

d) Litúrgico: confessar e proclamar a fé no culto público (inclui um propósito homilético); preparar os que irão participar da Ceia do Senhor.


2. Principais declarações confessionais reformadas


2.1. Confissões de fé

Sessenta e Sete Artigos (1523): apresentados por Zuínglio no primeiro debate teológico realizado em Zurique. Parágrafo introdutório: “Eu, Ulrico Zuínglio, confesso que tenho pregado na nobre cidade de Zurique estes sessenta e sete artigos ou opiniões, com base na Escritura, que é chamada theopneustos (isto é, inspirada por Deus). Eu me proponho a defender e vindicar esses artigos com a Escritura. Porém, se eu não tiver entendido corretamente a Escritura, estou pronto a ser corrigido, mas somente com base na mesma Escritura”.

Confissão de Genebra (1536): apresentada por João Calvino e Guilherme Farel às autoridades de Genebra em 10 de novembro de 1536. Distingue-se de documentos suíços anteriores, como os Sessenta e Sete Artigos, por sua argumentação mais cuidadosa e perspectiva teológica mais consistente. Caracteriza-se por sua concisão e senso de autoridade. Aborda 21 tópicos, começando com a afirmação de convicções teológicas e concluindo com temas em disputa com os católicos.

Confissão da Guanabara (1558): escrita por quatro huguenotes que faziam parte da França Antártica, uma colônia francesa fundada por Nicolau Durand de Villegaignon na baía da Guanabara; com base nessa declaração de fé, Villegaignon os condenou à morte, executando três deles. A confissão compõe-se de 17 parágrafos que tratam dos seguintes temas: as pessoas da Trindade, os sacramentos da Ceia e do batismo, o livre arbítrio, a autoridade dos sacerdotes, casamento e celibato, a intercessão dos santos e orações pelos mortos. Parágrafo inicial: “Segundo a doutrina de São Pedro Apóstolo, em sua primeira epístola, todos os cristãos devem estar sempre prontos para dar a razão da esperança que neles há, e isso com toda doçura e benignidade. Nós, abaixo assinados, senhor de Villegaignon, unanimemente (segundo a medida de graça que o Senhor nos há concedido), damos razão a cada ponto, segundo nos haveis apontado e ordenado”.

Confissão Galicana (1559): adotada pela Igreja Reformada de França por ocasião do seu primeiro sínodo nacional, realizado nas proximidades de Paris. O autor principal do texto foi o reformador Calvino. Também é conhecida como Confissão de La Rochelle e contém 40 parágrafos.

Confissão Escocesa (1560): produzida em quatro dias a pedido do Parlamento Escocês como parte da reforma da igreja; foi escrita por uma comissão de seis membros, entre os quais o reformador João Knox (1505-1572).

Confissão Belga (1561): escrita por Guido de Brès “para os fiéis que estão dispersos por toda parte nos Países Baixos”; foi adotada por um sínodo reunido em Antuérpia em 1566 e, com algumas modificações, tornou-se um documento oficial do protestantismo reformado holandês, junto com o Catecismo de Heidelberg e os Cânones de Dort. Possui 37 seções ou artigos.

Segunda Confissão Helvética (1566): escrita por Johann Heinrich Bullinger a pedido de Frederico III, príncipe eleitor do Palatinado (Alemanha). Em um tom moderado, apresenta o calvinismo como o cristianismo evangélico que está em harmonia com os ensinos da igreja antiga. É um longo e elaborado documento com 30 capítulos. Foi aceita oficialmente na Suíça, Alemanha, França, Escócia, Hungria e Polônia, e bem recebida na Holanda e na Inglaterra.

Cânones do Sínodo de Dort (1619): o Sínodo de Dort ou Dordrecht, na Holanda, foi convocado pelo governo para resolver a controvérsia arminiana, tendo a participação de teólogos reformados de diversos países. Seus cânones constituem os chamados “Cinco Pontos do Calvinismo”, sintetizados com as seguintes expressões: Depravação Total, Eleição Incondicional, Expiação Limitada, Graça Irresistível (Vocação Eficaz) e Perseverança dos Santos. É um dos documentos doutrinários oficiais das igrejas reformadas da Holanda.

Confissão de Fé de Westminster (1646): redigida por mais de 120 teólogos calvinistas (ingleses e escoceses), reunidos na Assembléia de Westminster, em Londres, mediante convocação do Parlamento. A Confissão de Fé compõe-se de 33 capítulos cujos temas podem ser classificados da seguinte maneira: a Escritura Sagrada (Cap. 1), o Ser de Deus e suas obras (2-5), o pecado e a salvação (6-8), a aplicação da obra da salvação (9-15), a vida cristã (16-21), o cristão na sociedade (22-24), a igreja e os sacramentos (25-29), a disciplina eclesiástica e os concílios (30-31), as últimas coisas (32-33). Entre os temas especificamente reformados estão os decretos de Deus, o pacto (das obras e da graça), o conceito de livre arbítrio, a vocação eficaz, a perseverança dos santos, a lei de Deus e os sínodos e concílios.


2.2. Catecismos

Instrução na Fé (1537): escrita por Calvino pouco depois de se radicar em Genebra, contém uma apresentação clara e serena dos pontos essenciais do seu pensamento inicial. Possui 33 seções que abordam os mais diferentes tópicos. Primeiro parágrafo: “Visto que não há nenhum homem, por mais bárbaro e selvagem que possa ser, que não seja tocado por alguma idéia de religião, está claro que todos nós fomos criados a fim de que possamos conhecer a majestade do nosso Criador, para que, tendo-a conhecido, possamos estimá-la acima de tudo e honrá-la com toda admiração, amor e reverência”.

Catecismo de Genebra (1542): um longo documento escrito por Calvino a pedido de várias pessoas, no início da sua segunda estadia em Genebra, como um aperfeiçoamento do catecismo de 1537. Ao mesmo tempo preparou-se um calendário indicando como suas 373 perguntas e respostas podiam ser aprendidas e recitadas num período de 55 semanas. Foi adotado pela Igreja Reformada da França e pela Igreja da Escócia.

Catecismo de Heidelberg (1563): principal documento da Igreja Reformada Alemã. Foi escrito por dois teólogos, Zacarias Ursinus e Gaspar Olevianus, a pedido do príncipe Frederico III, do Palatinado. É um documento conciliador, combinando o calvinismo com um luteranismo moderado. É considerado um dos documentos reformados mais calorosos e pessoais, sendo adotado por muitas igrejas reformadas. Suas 129 perguntas e respostas classificam-se em três partes: 1) Nosso pecado e culpa, 2) Nossa redenção e liberdade, 3) Nossa gratidão e obediência. Sua primeira pergunta e resposta dizem: “Qual é o teu único consolo, na vida e na morte? É que, de corpo e alma, tanto nesta vida como na morte, eu pertenço não a mim mesmo, mas a Jesus Cristo, meu fiel Salvador, o qual pelo seu precioso sangue resgatou-me inteiramente de meus pecados e me livrou de todo o poder do Diabo. Ele cuida de mim tão bem que nem mesmo um cabelo de minha cabeça pode cair sem a vontade de meu Pai celeste e todas as coisas devem contribuir para a minha salvação. É por isso que ele me dá, pelo seu Espírito Santo, a certeza da vida eterna e me ensina a viver de ora em diante para ele, amando-o de todo o meu coração”.

Catecismos de Westminster (1647): o Catecismo Maior compõe-se de 196 perguntas e respostas e se divide em três partes: 1) A finalidade do homem, a existência de Deus e as Escrituras Sagradas (perguntas 1-5); 2) O que o ser humano deve crer sobre Deus (6-90); 3) Quais são os nossos deveres (91-196). Algumas seções especiais são: Cristo, o Mediador (36-56), os Dez Mandamentos (98-148) e a Oração do Senhor (186-196). O Breve Catecismo tem 107 perguntas e respostas. A parte central trata da lei de Deus e dos Dez Mandamentos (perguntas 39-83).

terça-feira, 21 de outubro de 2008

A REFORMA PROTESTANTE: PERGUNTAS E RESPOSTAS

Alderi Souza de Matos


1. Qual a importância da Reforma?


A Reforma Protestante foi importante para o cristianismo porque chamou a atenção para verdades (doutrinas) e práticas bíblicas que haviam sido esquecidas ou distorcidas pela Igreja Medieval. Não foi um movimento inovador, mas restaurador das convicções e ênfases do cristianismo original. Algumas de suas principais contribuições foram: retorno às Escrituras; a centralidade de Cristo; a salvação vista como dádiva da graça de Deus, a ser recebida por meio da fé; a Igreja não é a instituição ou a hierarquia, mas o povo de Deus – cada cristão é um sacerdote.


2. A Reforma foi um movimento exclusivamente religioso?


Embora tenha sido um movimento predominantemente religioso, a Reforma teve importantes ligações com as realidades econômicas, políticas e sociais do século 16. Na área econômica, contribuíram para a Reforma fenômenos como o fim do feudalismo, o desenvolvimento do capitalismo e a crescente urbanização. Ao contrário da mentalidade católica medieval, os protestantes tinham uma visão positiva do trabalho, do lucro e das ocupações “seculares”. Suas concepções acerca da pobreza também eram diferentes. Por outro lado, a Reforma foi um protesto contra a opulência da Igreja Majoritária e suas contínuas interferências na economia das nações européias (através de inúmeros impostos eclesiásticos e outros meios).


3. Qual a posição de Lutero quanto ao livre arbítrio?


Lutero negou o livre arbítrio no que diz respeito à salvação – o ser humano, escravizado pelo pecado, não pode por si mesmo buscar a Deus. Todavia, o livre arbítrio permanece intacto em relação a outras questões, como as decisões comuns e as responsabilidades da vida cotidiana.


4. Por que existem tantas igrejas protestantes?


Lutero defendeu firmemente a sacerdócio universal dos fiéis, mas essa não é a principal razão da existência de muitas igrejas evangélicas. A razão maior está no princípio do “livre exame”, ou seja, o direito de todo cristão de estudar por si mesmo as Escrituras, não ficando preso à autoridade da Igreja ou a uma interpretação “oficial” da Bíblia.


5. Há necessidade de uma nova Reforma?


Existem muitas igrejas ditas “protestantes” ou “evangélicas” que, por terem se afastado dos princípios básicos propostos pelos reformadores, realmente necessitam de uma nova Reforma.


6. Como a Reforma contribuiu para o pensamento moderno?


A Reforma contribuiu para o pensamento moderno de muitas maneiras. Seu questionamento do autoritarismo religioso medieval, sua ênfase à participação responsável dos fiéis na vida e na direção das igrejas, seu estilo participativo de liderança, sua valorização do trabalho e de toda e qualquer ocupação honesta contribuíram para o fortalecimento de noções como liberdade, democracia e solidariedade social. Os diferentes reformadores e seus seguidores deram importantes contribuições nas áreas da teologia, filosofia, política, sociologia e ética.


7. Que dizer da imagem negativa de Lutero?


Felizmente, essa imagem negativa de Lutero está em declínio. Atualmente, mesmo historiadores católicos têm tido uma visão mais construtiva e equilibrada do pensamento e da obra do reformador.


8. É correta a interpretação de Marx e Engels de que a Reforma foi motivada por fatores sociais e econômicos?


Essa visão de Marx e Engels é parcial e inadequada. Lutero foi movido acima de tudo por sua intensa experiência religiosa. Ele havia se tornado um monge por preocupar-se com a sua salvação; porém, a sua vida monástica só fez aumentar a sua insegurança espiritual. Foi então que descobriu nas epístolas paulinas o ensino acerca da justificação pela fé. Essa experiência libertadora, que trouxe paz ao seu coração, e as convicções dela resultantes, foram o fundamento da sua obra como reformador.


9. Lutero era aliado das elites?


Lutero era inteiramente popular, como demonstram fartamente os seus escritos. Ele era um homem do povo, falava a linguagem do povo, por vezes bastante áspera, e só ocasionalmente envolveu-se com os nobres, por força das circunstâncias políticas da época.


10. É verdade que o reformador Lutero gostava de uma boa cerveja?


Lutero realmente gostava de comer e beber, por entender que essas eram dádivas de Deus aos seus filhos.


11. Por que a Reforma teve diferentes manifestações?


A Reforma teve características distintas em outras partes da Europa por vários motivos: as personalidades e ênfases dos outros reformadores, as peculiaridades culturais das outras nações e as realidades políticas dessas nações. Por exemplo, na Inglaterra a Reforma só implantou-se graças à interferência decisiva de vários monarcas, como Henrique VIII, Eduardo VI e, em especial, Elizabete I. Querendo agradar os seus súditos protestantes e católicos, ela criou o anglicanismo, uma síntese de elementos dessas duas tradições religiosas.

HERDEIROS DA MESMA GRAÇA DE VIDA: A FAMÍLIA NA EXPERIÊNCIA DOS REFORMADORES

Alderi Souza de Matos


Introdução


Além da igreja, outras esferas que a Reforma Protestante afetou profundamente foram o casamento e a família. Durante a Idade Média, e mesmo antes, a vida celibatária tinha sido considerada a condição ideal para o cristão, o estado espiritual mais elevado. O grande erudito Jerônimo, que morreu no ano 420, foi particularmente enfático nesse sentido. Ao comparar a virgindade, a viuvez e o casamento, ele deu à primeira o valor numérico de 100, à segunda 60 e ao casamento 30. Mais de um milênio depois, em seus Exercícios Espirituais (1548), Inácio de Loiola exortou os seus seguidores a exaltarem o matrimônio, mas exaltarem ainda mais a castidade. De fato, ao se observar a longa lista de santos católicos, verifica-se que somente alguns poucos dentre eles foram casados.


Uma área correlata que também mereceu reparos por parte dos reformadores foi a da sexualidade. Na concepção tradicional, o sexo, embora permitido dentro do casamento, não devia ser desfrutado. De acordo com um catecismo do final do século 15, os leigos pecavam sexualmente no casamento quando, entre outras coisas, praticavam o sexo por prazer e não pelas razões que Deus ordenou, a saber, evitar o pecado da concupiscência e povoar a terra. Por outro lado, havia a situação irregular de muitos religiosos que, não se mantendo fiéis aos seus votos de castidade, praticavam o sexo fortuito ou viviam abertamente em concubinato.


Os líderes da Reforma entendiam que o celibato é um dom de Deus, mas um dom reservado para as poucas pessoas dotadas de força para viverem vidas de abstinência. Mais excelente era o casamento, divinamente ordenado como o único contexto em que a sexualidade podia ser praticada sem pecado. Inspirados pelas Escrituras, esses líderes e seus sucessores expressaram essas convicções tanto em sua teologia quanto em sua vida pessoal.


1. O exemplo de Lutero


O primeiro reformador foi um grande defensor da dignidade da mulher e da importância do casamento e do lar, tendo escrito amplamente sobre o assunto. Em A Vida Conjugal (1522), Lutero afirma que Deus ordenou que os homens e as mulheres fossem impelidos por sua própria natureza para serem frutíferos e se multiplicarem. Portanto, as pessoas deviam casar-se para não caírem em impureza, fornicação e adultério. Aqueles que se sentiam inaptos para uma vida de celibato – o que incluía quase todos – deviam casar-se na convicção de que isso estava de acordo com a vontade de Deus e de que ele iria prover tanto um cônjuge quanto o sustento necessário.


Por muito tempo, a literatura antiprotestante afirmou que Lutero havia rompido com Roma para poder se casar. O fato é que isso só ocorreu vários anos depois do início da Reforma, no dia 13 de junho de 1525, quando ele se uniu à ex-freira Catarina de Bora. Comentando o fato, o reformador assim se expressou: “Repentinamente, inesperadamente, e enquanto a minha mente estava voltada para outras questões, o Senhor me prendeu com o jugo do casamento... Mal posso acreditar, mas as testemunhas são muito fortes”. Lutero tinha uma personalidade intensa e podia ser muito agressivo em suas palavras e atitudes; todavia, ele sempre se referiu à esposa e à sua vida familiar com as expressões mais elogiosas.


Dotada de um temperamento igualmente forte, “Katie” revelou-se uma excelente esposa e administradora do lar, despertando grande respeito e admiração em seu famoso marido. Ele disse certa vez: “Eu sou um senhor inferior; ela, o superior. Eu sou Arão; ela, o meu Moisés”. O casal teve seis filhos: Hans, Elizabete, Madalena, Martinho, Paulo e Margarida. Lutero foi por vezes um pai rigoroso, mas ao mesmo tempo nutria profunda afeição por seus filhos. Ele sentiu profundamente a morte de Elizabete aos oito meses e principalmente a de Madalena, com treze anos, em 1542. Apesar das lutas, podia dizer: “Tenho sido muito feliz em meu casamento, graças a Deus... Ter paz e amor no casamento é a dádiva mais próxima do conhecimento do evangelho”.


2. O reformador de Genebra


Como é bem conhecido, os dois maiores reformadores tinham temperamentos muito diferentes. Enquanto que Lutero era impulsivo e extrovertido, Calvino tinha uma personalidade sensível e introspectiva. Mas isso não impediu que este também usufruísse as alegrias da vida conjugal e familiar. Depois de algumas tentativas mal-sucedidas com candidatas que lhe haviam indicado, Calvino casou-se em agosto de 1540 com a viúva Idelette de Bure, uma de suas paroquianas na pequena igreja de refugiados que pastoreou por três anos em Estrasburgo. O casamento foi oficiado pelo colega e amigo Guilherme Farel, que, escrevendo a outro pastor, disse que Calvino havia se casado com uma mulher “íntegra e honesta”, e “até mesmo bonita”.


Idelette veio da atual província holandesa de Gelderland. Seu primeiro marido, o comerciante Jean Stordeur, um ex-anabatista que havia abraçado as idéias de Calvino, faleceu vitimado pela peste, deixando-a com dois filhos, um menino e uma menina. Em suas cartas a amigos, Calvino disse que nunca imaginou ser possível tamanha felicidade. Idelette mostrou-se uma companheira exemplar e o seu marido se orgulhava do seu bom senso, da sua coragem e da sua espiritualidade calorosa e comunicativa. O relacionamento quase perfeito foi, contudo, sombreado por algumas provações. Os dois cônjuges tinham muitos problemas de saúde e seu único filhinho, Jacques, morreu pouco depois de nascer em 28 de julho de 1542.


Após quase dez anos de harmoniosa vida conjugal, a própria Idelette veio a falecer no dia 29 de março de 1549. Escrevendo pouco depois ao colega Pierre Viret, Calvino afirmou: “Choro a perda da minha melhor companheira... Durante a sua vida, ele foi a fiel auxiliadora do meu ministério”. Nos quinze anos que ainda viveu, o reformador não tornou a casar-se, mas não viveu só – moravam com ele seus irmãos, suas famílias, estudantes e hóspedes freqüentes.


3. A tradição puritana


Muitos herdeiros das primeiras gerações de reformadores preservaram os seus ensinos e práticas no que diz respeito à centralidade do casamento e da família. Um exemplo eloqüente nesse sentido foi dado pelos puritanos, os calvinistas ingleses que defendiam a “pureza” da Igreja da Inglaterra em sua doutrina, culto e forma de governo. Por causa da sua cosmovisão teocêntrica e da convicção de que Deus é senhor de todas as áreas da vida, eles atribuíram enorme importância à família, unidade básica da Igreja e da sociedade. Esses reformados consideravam a família uma pequena igreja, o nível mais básico em que se devia vivenciar a realidade do pacto no relacionamento entre os cônjuges, e entre os pais e os filhos.


Um dos exemplos mais belos dessa ênfase dos puritanos no casamento e na família pode ser observado na experiência do célebre pastor, teólogo e escritor norte-americano Jonathan Edwards (1703-1758), que viveu em Massachusetts, na Nova Inglaterra. Jonathan casou-se com Sarah Pierrepoint em 28 de julho de 1728, quando ele estava com 25 anos e ela com 17. Sarah era filha do ministro congregacional de New Haven e bisneta do primeiro prefeito de Nova York. O casal Edwards teve onze filhos, todos os quais chegaram à idade adulta, fato raro naquela época. Entre os seus descendentes contam-se centenas de pessoas destacadas, incluindo professores universitários, advogados, médicos, políticos, banqueiros, industriais, pastores e missionários.


As pessoas que conheceram esse notável casal testificaram sobre a perfeita harmonia e mútuo amor e estima que sempre existiu entre eles. Edwards tratava a esposa como sua igual e compartilhava com ela todas as suas preocupações e atividades. Eles costumavam cavalgar juntos nos bosques ao cair da tarde para poderem conversar sem interrupções e, antes de se recolherem para dormir, tinham em conjunto os seus momentos devocionais. Edwards também se mostrou um pai atencioso e amigo. Ele tinha o hábito de levar um filho em sua companhia quando viajava para outra cidade e dava toda a sua atenção aos filhos por uma hora antes do jantar, todas as noites. Após visitá-los em 1740, o grande evangelista George Whitefield comentou: “Nunca vi um casal mais afetuoso”.


Conclusão


Um dos argumentos usados pelos defensores do celibato clerical é que se os ministros cristãos se casarem eles não terão tempo para cuidar das coisas de Deus, visto que estarão envolvidos com os interesses e necessidades de suas famílias. Os exemplos acima mostram que isso não corresponde à realidade. Esses três homens extremamente ocupados, que se destacaram como líderes dinâmicos e produziram obras monumentais, também encontraram tempo para glorificar a Deus constituindo boas famílias cristãs. Afinal, como argumentou o apóstolo Paulo, se alguém não cuidar bem da sua própria casa, como irá cuidar da Igreja de Deus? (1 Tm 3.5). Mais que isso, eles mostraram que é no contexto da vida comum, com suas alegrias e tristezas, que a fé cristã deve ser vivida em sua plenitude.


Perguntas para reflexão:


1. Existe contradição no Novo Testamento ao falar tanto sobre o casamento quanto sobre a vida celibatária? Qual dessas duas ênfases é predominante?

2. Quais são as principais características da vida conjugal e familiar enfatizada pelas Escrituras?

3. Todos os reformadores protestantes do século 16 foram homens casados e pais de família. O que os levou a fazer isso?

4. O que a vida familiar dos grandes líderes da Reforma revela sobre eles como homens e como cristãos?

5. Que valores bíblicos e reformados sobre o casamento e a família precisam ser resgatados em nossos dias?


Sugestões bibliográficas:


HALSEMA, Thea B. Van. João Calvino era assim. São Paulo: Editora Vida Evangélica, 1968.

HUNT, Susan. A graça que vem do lar. São Paulo: Cultura Cristã.

LOPES, Augustus Nicodemus; LOPES, Minka Schalkwijk. A Bíblia e sua família: exposições bíblicas sobre o casamento, família e filhos. São Paulo: Cultura Cristã, 2001.

MALL, E. Jane. Catarina, minha querida. São Leopoldo: Editora Sinodal. Romance histórico sobre Martinho Lutero e Catarina de Bora.

SAUSSURE, A. de. Lutero: o grande reformador que revolucionou seu tempo e mudou a história da igreja. São Paulo: Editora Vida, 2004.

SCHAEFFER, Edith. A celebração do matrimônio. São Paulo: Cultura Cristã, 2000.

VAN GRONINGEN, Harriet; VAN GRONINGEN, Gerard. A família da aliança: instruções bíblicas para a vida familiar que honra a Deus. São Paulo: Cultura Cristã, 1997.

REMEMORANDO A REFORMA – REFLEXÃO BÍBLICA

Alderi Souza de Matos


1 Pedro 1.22—2.10


Introdução


Dentro de alguns anos, será comemorado o 500º aniversário da Reforma do Século XVI. Com tantas mudanças que o mundo experimentou nestes últimos cinco séculos, seria o caso de nos perguntarmos: Terá ainda razão de ser o nosso movimento? Justifica-se ainda o protestantismo?


A realidade nos mostra que, passados tantos anos, as verdades fundamentais e solenes redescobertas pelos reformadores continuam sendo desprezadas, tanto fora quanto dentro do movimento evangélico. Podemos exemplificar isso com um dos grandes princípios acentuados pela Reforma: “Solo Christo” ou a plena centralidade e exclusividade de Cristo como único e suficiente Salvador, o único mediador entre Deus e a humanidade.


A Igreja contra a qual se insurgiram os reformadores continua hoje, quase meio milênio mais tarde, a negar a Cristo um lugar exclusivo na fé, no culto e na devoção dos seus fiéis. Por causa da ênfase antibíblica no culto a Maria e aos santos, Jesus Cristo ocupa um lugar inteiramente secundário na vida e devoção de milhões de brasileiros que se dizem cristãos.


Mas as antigas verdades essenciais recuperadas pelos reformadores também têm sido ignoradas dentro das igrejas evangélicas. Se os reformadores voltassem à terra hoje, ficariam chocados com certas doutrinas e práticas correntes entre os evangélicos e com a sua falta de entusiasmo pelas importantes convicções redescobertas no século XVI.


Essas razões já são suficientes para justificar a atual relevância e necessidade da obra restauradora realizada pelos pioneiros da Reforma. Um aspecto interessante desses pioneiros é o fato de que eles, embora compartilhassem os mesmos princípios, tiveram diferentes experiências, que os levaram também a diferentes ênfases nos princípios que defenderam.


Gostaríamos de ilustrar três desses princípios através da experiência de três grupos reformados, tomando como ponto de partida os capítulos iniciais da primeira carta de Pedro. Nessa carta, o apóstolo lembra aos cristãos da Ásia Menor os fatos centrais da sua fé (1.3-12) e suas implicações para a vida (1.13-17). Em seguida, ele fala sobre as conseqüências disso para a sua identidade como grupo, como povo de Deus (1.22—2.10). Vemos nessa passagem três grandes ênfases da Reforma.


1. Graça e Fé


O fundamento da vida cristã é o fato de que somos salvos pela graça de Deus, recebida por meio da fé. Deus nos amou, por isso nos deu seu Filho; crendo nesse amor e nesse Filho, somos salvos. Essa é uma das ênfases mais importantes do capítulo inicial de 1 Pedro, especialmente nos versos 18-21, mas também em vários outros versículos. Esse ponto reúne três grandes princípios esposados pelos reformadores: “solo Christo”, “sola Gratia” e “sola Fide”. Embora não encontremos aqui uma referência explícita à justificação pela fé como nas cartas aos Romanos e aos Gálatas, ela é pressuposta em todo o contexto.


O reformador que teve uma experiência pessoal e profunda dessas verdades foi Martinho Lutero. Inicialmente, seu pai desejou que ele seguisse a carreira jurídica. Um dia, ao escapar por pouco da morte, fez um voto a “Santa Ana” de que entraria para a vida religiosa. Ingressou em um mosteiro agostiniano e pôs-se a lutar pela sua salvação, sem alcançar a paz interior que tanto almejava. Até que, ao estudar a Epístola aos Romanos, deparou-se como a promessa de que “o justo viverá pela fé” (Rm 1.17). Teve uma nova visão de Deus e da salvação. Esta já não era o alvo da vida, mas o seu fundamento. Essa nova convicção o levou a questionar a teologia medieval e a iniciar o movimento da Reforma.


Isso nos mostra a importância de uma vida de fé, na plena dependência da graça de Deus, mas também de uma vida de compromisso, que se manifesta na forma de frutos que honram a Deus.


2. A Palavra de Deus


A seção seguinte de 1 Pedro contém outra ênfase importante dos reformadores: a centralidade da Palavra de Deus (1.23-25). A Palavra de Deus é a mensagem que nos fala da graça de Deus e da redenção realizada por Cristo, e nos convida a crer nesse amor. Essencialmente, é o “evangelho” (verso 12), também descrito como a “verdade” (verso 22). Essa palavra ou evangelho é viva, permanente e eficaz porque é a própria “Palavra do Senhor”.


Se o item anterior nos faz pensar em Lutero, este nos lembra de modo especial João Calvino. Calvino não teve uma experiência dramática de conversão como Lutero. Sua experiência foi profunda, mas sem grandes lutas interiores. Ele mesmo pouco escreveu sobre o assunto, dizendo apenas que teve uma conversão repentina (“conversio súbita”). Mas desde o início esse reformador foi tomado por uma forte convicção acerca da majestade de Deus e da importância da sua palavra. Calvino foi, dentre todos os reformadores, aquele que mais energias dedicou a estudo e à exposição sistemática das Escrituras – nas Institutas, nos seus comentários bíblicos, em suas preleções e em seus sermões.


Nos seus escritos, Calvino insiste na suprema autoridade das Escrituras em matéria de fé e vida cristã (“sola Scriptura”). Essa autoridade decorre do fato de que Deus mesmo nos fala na sua Palavra. Ele faz uma distinção interessante entre Escritura e Palavra de Deus, ao dizer que é somente através da atuação do Espírito Santo que a Escritura é reconhecida pelo pecador como a Palavra de Deus viva e eficaz.


Esse ponto nos mostra a necessidade de obediência à Palavra do Senhor para vivermos uma vida cristã genuína e frutífera.


3. Sacerdócio Real


Finalmente, Pedro fala da grande dimensão comunitária da nossa fé. Unidos a Cristo e alimentados por sua Palavra (2.2-4), somos chamados a viver como edifício de Deus e como povo de Deus (2.5, 9). Nas duas referências, os cristãos são descritos como sacerdócio: “sacerdócio santo” e “sacerdócio real”. A conclusão é óbvia: todo cristão é um sacerdote. Não existe mais a distinção entre sacerdotes e “leigos” que havia no Antigo Testamento, mas agora todos têm acesso livre e direto acesso à presença de Deus, por meio de Cristo. Esse sacerdócio deve ser exercido principalmente em duas áreas: no culto e na proclamação. Todos os crentes podem e devem oferecer “sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo” (v. 5); todos os cristãos devem proclamar as virtudes daquele que o chamou das trevas para a sua maravilhosa luz (v. 9).


Os que conhecem alguma coisa sobre a Reforma reconhecem facilmente aqui o princípio do “sacerdócio universal dos fiéis”. Um grupo reformado que ilustra muito bem essa verdade foram os anabatistas. Todos os protestantes valorizaram o sacerdócio universal, mas ele foi especialmente importante para esse grupo incompreendido e horrivelmente perseguido que insistia que a Igreja devia ser uma associação voluntária de crentes, inteiramente separada do Estado e caracterizada pela mais plena igualdade e solidariedade entre todos. Uma bela aplicação do ensino de que todo cristão é um sacerdote de Deus.


Esse aspecto nos mostra a importância da comunhão cristã no corpo de Cristo. Como dizia a placa de uma igreja nos Estados Unidos: “Pastor: reverendo tal; ministros: todos os membros”.


Conclusão


A Reforma do Século XVI foi, mais que uma simples reforma, uma obra de restauração. Restauração de antigas verdades que haviam sido esquecidas ou obscurecidas ao longo dos séculos, e agora foram recuperadas. Essa obra deve continuar em cada geração, seguindo um lema dos reformadores: “Ecclesia reformata, semper reformanda” (igreja reformada, sempre se reformando).


Louvemos a Deus e honremos a memória dos nossos predecessores na fé resgatando esses valores e vivendo de acordo com os mesmos nos dias atuais. Tornemos nossa fé relevante para os nossos contemporâneos, sem fazer concessões que comprometam a pureza do evangelho de Cristo.

A RELEVÂNCIA DA REFORMA

Alderi Souza de Matos


A Reforma Protestante do século XVI foi um fenômeno variado e complexo, que incluiu fatores políticos, sociais e intelectuais. Todavia, o seu elemento principal foi religioso, ou seja, a busca de um novo entendimento sobre a relação entre Deus e os seres humanos. Nesse esforço, a Reforma apoiou-se em três fundamentos ou pressupostos essenciais:


1. A centralidade da Escritura


Os reformadores redescobriram a Bíblia, que no final da Idade Média era um livro pouco acessível para a maioria dos cristãos. Eles estudaram, pregaram e traduziram a Palavra de Deus, tornando-a conhecida das pessoas. Eles afirmaram que a Escritura deve ser o padrão básico da fé e da vida cristã (2 Tm 3.16-17). Todas as convicções e práticas da Igreja deviam ser reavaliadas à luz da revelação especial de Deus. Esse princípio ficou consagrado na expressão latina “Sola Scriptura”, ou seja, somente a Escritura é a norma suprema para aquilo que os fiéis e a Igreja devem crer e praticar. Evidentemente, tal princípio teve conseqüências revolucionárias.


2. A justificação pela fé


Outro fundamento da Reforma, decorrente do anterior, foi a redescoberta do ensino bíblico de que a salvação é inteiramente uma dádiva da graça de Deus, sendo recebida por meio da fé, que também é dom do alto (Ef 2.8-9). Tendo em vista a obra expiatória realizada por Jesus Cristo na cruz, Deus justifica o pecador que crê, isto é, declara-o justo e aceita-o como justo, possuidor não de uma justiça própria, mas da justiça de Cristo. Essa verdade solene e fundamental foi afirmada pelos reformadores em três expressões latinas: “Solo Christo”, “Sola gratia” e “Sola fides”. Justificado pela graça mediante a fé, e não por obras, o pecador redimido é chamado para uma vida de serviço a Deus e ao próximo.


3. O sacerdócio de todos os crentes


A Igreja Medieval era dividida em duas partes: de um lado estava o clero, os religiosos, a hierarquia, a instituição eclesiástica; do outro lado estavam os fiéis, os leigos, os cristãos comuns. Acreditava-se que a salvação destes dependia da ministração daqueles. À luz das Escrituras, os reformadores eliminaram essa distinção. Todos, ministros e fiéis, são o povo de Deus, são sacerdotes do Altíssimo (1 Pedro 2.9-10). Como tais, todos têm livre acesso à presença do Pai, tendo como único mediador o Senhor Jesus Cristo. Além disso, cada cristão tem um ministério a realizar, como sacerdote, servo e instrumento de Deus na Igreja e na sociedade. Que esses princípios basilares, repletos de implicações revolucionárias, continuem sendo cultivados e vividos pelos herdeiros da Reforma.

REFORMA – ONTEM E HOJE

Alderi Souza de Matos


Todo grupo humano possui em sua história eventos de grande significado que estão intimamente associados com a sua identidade e autocompreensão. No caso dos protestantes, um evento dessa natureza é o episódio que desencadeou a Reforma Religiosa do Século XVI. O monge agostiniano e professor de teologia Martinho Lutero afixou à porta da igreja de Wittenberg, na Alemanha, as suas célebres Noventa e Cinco Teses, convidando a comunidade acadêmica local para um debate público sobre a venda das indulgências e outras questões controvertidas. Desde então, o dia 31 de outubro de 1517 tem permanecido na consciência evangélica como um símbolo fundamental do seu movimento.


Todavia, por decisivo e marcante que tenha sido, esse acontecimento pertence ao passado e não pode mais ser repetido. Há muitos evangélicos que sonham com uma volta aos tempos da Reforma, assim como tantos gostariam de restaurar os dias heróicos da Igreja Primitiva. A isto chamamos de “repristinação”, ou seja, a tentativa de restaurar alguma coisa a um estado ou condição original, prístino. Porém, o fato é que os acontecimentos, circunstâncias e personagens passam inexoravelmente; somente as idéias e os ideais permanecem, e são eles, acima de tudo, que devem ocupar a nossa atenção.


Ao comemorarmos mais um aniversário da Reforma, de que maneira podemos celebrar a obra dos desbravadores evangélicos do século XVI? De que modo podemos honrar o Deus dos reformadores, nós que vivemos no início do século XXI? Uma das respostas é: conhecendo e encarnando as convicções que nortearam as suas vidas e os seus labores. Destacamos três delas, que reputamos essenciais para a igreja contemporânea.


Primeiramente, é notável o lugar que os reformadores deram ao Deus trino em seu pensamento e ação. Apesar dos fatores políticos, sociais e econômicos envolvidos na Reforma, o seu ímpeto mais central veio da profunda experiência religiosa de líderes como Lutero e Calvino. A sua visão da graça e da glória de Deus, mediada pelas Escrituras, levou-os a colocá-lo no centro de suas vidas e a rejeitar tudo aquilo que pudesse obscurecer a sua majestade como Senhor do universo, da vida e da redenção. Em segundo lugar, há que considerar o seu entendimento da Igreja como comunidade de adoração, comunhão e serviço. A Igreja não era para eles uma estrutura ou instituição, mas o conjunto dos fiéis que se reúnem para exaltar a Deus, estudar a sua Palavra e celebrar a sua salvação, e depois se dispersam para testemunhar e servir. Finalmente, os reformadores nos inspiram em seu entendimento da sociedade. Rompendo com a dicotomia entre sagrado e secular, os líderes da Reforma e seus seguidores insistiram no fato de que toda a vida pertence a Deus e deve refletir o seu senhorio. Com seu trabalho e exemplo, o cristão deve esforçar-se para que os valores do Reino permeiem todas as áreas da coletividade. Que sejam essas as nossas preocupações ao lembrarmos novamente os eventos e personagens dos quais somos herdeiros.

sábado, 18 de outubro de 2008

As vacas de Basã e o touro de Wall Street


Em Deus e o Mundo dos Negócios, Paul Stevens, autor também de A Espiritualidade na Prática, lembra uma história conhecida, especialmente do público norte-americano, que começa com a frase “você tem duas vacas”. Ele cita Richard Higginson em uma abordagem sobre investimentos, em seu livro Questions of Business Life [Questões da vida de negócios]. Qualquer semelhança não é mera coincidência.

Feudalismo: Você tem duas vacas. O seu senhor fica com parte do leite.
Fascismo: Você tem duas vacas. O governo fica com as duas, contrata você para cuidar delas e vende o leite para você.
Comunismo: Você tem duas vacas. Você tem que cuidar delas, mas o governo fica com todo o leite.
Capitalismo: Você tem duas vacas. Você vende uma e compra um touro. O seu rebanho se multiplica e a economia cresce. Você vende o rebanho e se aposenta com o lucro.
Capitalismo segundo a Enron [ou, atualizando, segundo as “Instituições Financeiras” em Wall Street]: Você tem duas vacas. Vende três para sua companhia de capital aberto usando cartas de crédito abertas pelo seu cunhado em um banco. Em seguida, faz um acordo para quitar a dívida com participação acionária, e pode, então, adquirir todas as quatro vacas de volta, com isenção de taxas para as cinco vacas. Os direitos sobre o leite das seis vacas são transferidos por meio de um intermediário para uma empresa nas Ilhas Cayman, que pertence secretamente a um dos acionistas majoritários, que vende os direitos de todas as sete vacas de volta para a sua companhia de capital aberto. O relatório anual da “Instituição” aponta que a companhia possui oito vacas, com opção de compra para uma nona.

E, por falar em vaca, lembro-me também das de Basã, gordas e satisfeitas, que nos foram apresentadas por Amós (Am 4.1). Com a palavra, o próprio:

“Eu sei das muitas maldades e dos graves pecados que vocês cometem. Vocês oprimem o justo, recebem suborno e impedem que se faça justiça ao pobre nos tribunais” (Am 5.12).

“Está chegando o dia em que mandarei fome pelo país inteiro. Todos ficarão com fome, mas não por falta de comida, e com sede, mas não por falta de água. Todos terão fome e sede de ouvir a mensagem de Deus, o Senhor” (Am 8.11).

• Marcos Bontempo, editor. www.ultimato.com.br

domingo, 5 de outubro de 2008

O CRISTÃO E A POLÍTICA

Hoje, o cidadão brasileiro tem o famoso direito de voto. Que maravilha! Afinal de contas, nossa República passou por turbulentos anos debaixo de repressão e incertezas (pra onde ninguém quer voltar). O apóstolo Paulo, escrevendo aos cristãos que ainda viviam sob o domínio romano, nos ensina sobre o relacionamento com as autoridades políticas (Rm 13.1-7). Ele afirma que toda autoridade é instituída por Deus debaixo de Seu plano para cada sociedade e, por esta razão, todo filho de Deus deve ser submisso a esta instituição. Também nos mostra que não devemos temê-la quando agimos bem, mas devemos respeitar seu poder de justiça quando agimos mal. Estamos livres para desobedecer à esfera política quando esta vai contra a lei moral de Deus, mesmo que custe nossa vida.
Graças ao nosso bom Deus, hoje vivemos numa república democrática! Não temos mais que viver sob ditaduras perversas, autoritarismos cegos, mas podemos eleger nossos governantes dentro do próprio povo. Agora pense, seria ótimo se nosso governo fizesse “o que é bom perante o Senhor”, concordando sua lei política à lei moral e conduzindo o povo num caminho mais correto. O Senhor nos deu a benção da democracia junto com os princípios cristãos para uma vida em sociedade. Está evidente! Se quisermos viver numa lei política mais próxima à lei moral, devemos eleger governantes que vivam os princípios cristãos! Dá até pra imaginar Deus nos cobrando: “Cristãos do Brasil, eu vos abençoei com a democracia, por que os servos com meus princípios ainda não estão no governo?”.Muitos crentes têm medo de política. Há quem pense: “Crente nem deve se aproximar destas coisas. Isto é terreno sujo, corrupto, vai acabar se perdendo!”. Mas entendo que não devemos ter aversão à política, mas sim aos maus políticos! Estes não podem ficar onde estão. Ou você acha que eles estão agradando a Deus liderando o povo para o pecado!? Vamos usar a democracia, é bênção do Senhor na esfera política para nosso povo.Como fazer então para eleger um cristão autêntico se somente o Senhor conhece o coração! A única coisa que podemos avaliar são as evidências: um cristão verdadeiro teme a Deus, e resplandece uma vida cheia do Fruto do Espírito! Gl 5.19-25. Acho sim, que devemos eleger cristãos autênticos e vocacionados, guiados pelas evidências do Fruto do Espírito, participando da bênção da política brasileira para abençoar nosso povo e engrandecer nosso Pai.
É papel do cristão educar seus filhos sobre a realidade brasileira e ensiná-los que “feliz é a nação cujo Deus é o SENHOR”. Também é papel do cristão estimular a vida política de seus irmãos vocacionados, zelar por seu trabalho, suportá-los nas horas de dificuldades e comemorar nos momentos de alegria. Devemos orar intercedendo a Deus para que eles não se corrompam na vida pública; não se envergonhem do Evangelho nem envergonhem o Evangelho que defendem; atuem com justiça para com toda a sociedade; honrem o nome de Deus e o façam bem conhecido e admirado e governem sempre com os princípios da lei divina. Cristão brasileiro, não menospreze esta bênção! Seja firme em atitudes agindo com cidadania e fé.
(Gustavo Assi membro da I. P. Ebenézer de São Paulo. Atualmente, serve como presbítero na London City Presbyterian Church em Londres).

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

MARCAS DE UMA IGREJA SAUDÁVEL

Marca 1 - Pregação Expositiva
Mark Dever

O ponto para começar a falar sobre as marcas da igreja saudável é onde Deus começa conosco – o modo como Ele fala conosco. Foi por aí que a nossa própria saúde espiritual veio, e é por esse caminho que a saúde de nossas igrejas virá também. Especialmente importante para qualquer um que esteja na liderança de uma igreja, mas particularmente para o pastor, é um compromisso com a pregação expositiva, um dos mais antigos métodos de pregação. Trata-se da pregação cujo objetivo é expor o que é dito em uma passagem particular da Bíblia, explicando cuidadosamente seu significado e aplicando-o à congregação (veja Neemias 8:8). Existem, evidentemente, muitos outros tipos de pregação. Sermões tópicos, por exemplo, coletam tudo o que a Bíblia ensina sobre um único assunto, como a oração ou a contribuição. A pregação biográfica aborda a vida de alguém na Bíblia e retrata-a como uma demonstração da graça de Deus e como um exemplo de esperança e fidelidade. Mas a pregação expositiva é algo diferente - uma explicação e aplicação de uma porção particular da Palavra de Deus.
"(...) os pregadores cristãos de hoje têm autoridade para falar da parte de Deus somente se proclamarem as palavras dEle."
A pregação expositiva presume uma convicção na autoridade da Bíblia, mas é algo mais. Um compromisso com a pregação expositiva é um compromisso de ouvir a Palavra de Deus. Assim como os profetas do Antigo Testamento e os apóstolos do Novo Testamento não receberam apenas uma ordem para ir e falar, mas uma mensagem específica, os pregadores cristãos de hoje têm autoridade para falar da parte de Deus somente se proclamarem as palavras dEle. Assim, a autoridade do pregador expositivo começa e termina com as Escrituras. Às vezes as pessoas podem confundir pregação expositiva com o estilo de um pregador expositivo predileto, mas não é fundamentalmente uma questão de estilo. Como outros já observaram a pregação expositiva não é tanto sobre como nós dizemos o que dizemos, mas sobre como nós decidimos o que dizer. Não é marcada por uma forma particular, mas por um conteúdo bíblico.
Pode-se aceitar alegremente a autoridade da Palavra de Deus e até mesmo professar a convicção na inerrância da Bíblia; ainda assim se na prática (propositalmente ou não) alguém não prega expositivamente, nunca pregará além do que já sabe. Um pregador pode tomar um trecho das Escrituras e exortar a congregação em um tópico que é importante sem que ele realmente pregue o ponto abordado na passagem. Quando isso acontece, o pregador e a congregação só ouvem nas Escrituras o que eles já sabiam.
"Como outros já observaram a pregação expositiva não é tanto sobre como nós dizemos o que dizemos, mas sobre como nós decidimos o que dizer."
Em contrapartida, quando pregamos uma passagem das Escrituras no contexto, expositivamente - tomando o ponto da passagem como o ponto da mensagem - nós ouvimos de Deus coisas que nós não pretendíamos ouvir quando começamos. Desde a chamada inicial ao arrependimento até a área de nossas vidas em que o Espírito nos condenou recentemente, a nossa salvação inteira consiste em ouvir a Deus de modos que nós, antes de ouvi-lO, nunca teríamos adivinhado. Esta submissão extremamente prática à Palavra de Deus deve ser evidente no ministério de um pregador. Não se deixe enganar: em última instância, é responsabilidade da congregação assegurar que as coisas sejam assim (observe a responsabilidade que Jesus põe sobre a congregação em Mateus 18, ou Paulo em 2 Timóteo 4). Uma igreja jamais pode colocar como supervisor espiritual do rebanho uma pessoa que não demonstra na prática um compromisso claro em ouvir e ensinar a Palavra de Deus. Agir assim é impedir inevitavelmente o crescimento da igreja, praticamente encorajando-a a só crescer até o nível do pastor. Se assim for, a igreja será conformada lentamente à mente dele, em vez de ser conformada à mente de Deus.
O povo de Deus sempre foi criado pela Palavra de Deus. Da criação em Gênesis 1 até a chamada de Abraão em Gênesis 12, da visão do vale dos ossos secos em Ezequiel 37 até a vinda da Palavra Viva, Deus sempre criou o Seu povo através da Sua Palavra. Como Paulo escreveu aos romanos, “a fé vem pela pregação, e a pregação, pela palavra de Cristo” (10:17). Ou, como ele escreveu aos coríntios, "Visto como, na sabedoria de Deus, o mundo não o conheceu por sua própria sabedoria, aprouve a Deus salvar os que crêem pela loucura da pregação" (1 Cor. 1:21).
"Uma igreja construída sobre a música – seja qual for o estilo - é uma igreja construída sobre a areia."
A pregação expositiva sadia freqüentemente é o manancial de crescimento em uma igreja. Na experiência de Martinho Lutero, tal atenção cuidadosa para com a Palavra de Deus foi o princípio da reforma. Nós também precisamos estar comprometidos em sermos igrejas que sempre estão sendo reformadas de acordo com a Palavra de Deus.
Certa vez, quando eu estava ensinando em um seminário sobre puritanismo em uma igreja de Londres, eu mencionei que os sermões puritanos às vezes duravam duas horas. Diante disso, uma pessoa perguntou, "Quanto tempo sobrava para a adoração?" A suposição era de que ouvir a palavra de Deus pregada não constituía adoração. Eu respondi que muitos cristãos protestantes ingleses teriam considerado a possibilidade de ouvir a palavra de Deus no seu próprio idioma e de responder a ela nas suas vidas como a parte essencial da sua adoração. Se eles teriam tempo para cantar juntos seria comparativamente de pouca importância.
Nossas igrejas têm que recuperar a centralidade da Palavra na nossa adoração. Ouvir a Palavra de Deus e responder a ela pode incluir louvor e ações de graças, confissão e proclamação, e qualquer destas coisas pode vir na forma de canções, mas nenhuma delas precisa ter essa forma. Uma igreja construída sobre a música – seja qual for o estilo - é uma igreja construída sobre a areia. Pregar é o componente fundamental do pastorado. Ore por seu pastor, para que ele se dedique a estudar Bíblia rigorosa, cuidadosa e seriamente, e para que Deus o conduza na compreensão da Palavra, na aplicação dela à sua própria vida, e na aplicação dela à igreja (veja Lucas 24:27; Atos 6:4; Ef. 6:19-20). Se você é um pastor, ore por estas coisas para si mesmo. Ore também por outros que pregam e ensinam a Palavra de Deus. Finalmente, ore para que nossas igrejas assumam um compromisso de ouvir a Palavra de Deus pregada expositivamente, de forma que os rumos de cada igreja sejam crescentemente moldados pela agenda de Deus expressa nas Escrituras. O compromisso com a pregação expositiva é uma marca de uma igreja saudável.




Marcas de uma igreja saudável: Marca 2 - Teologia Bíblica
Mark Dever
A pregação expositiva é importante para a saúde de uma igreja. Entretanto, todo método, por melhor que seja, está sujeito a abuso e, portanto deve estar aberto a ser testado. Em nossas igrejas, deveríamos nos preocupar não só em como somos ensinados, mas com o que somos ensinados. Deveríamos apreciar o caráter são, particularmente em nossa compreensão do Deus bíblico e dos seus caminhos para conosco.
"Sanidade" é uma palavra antiquada. Nas cartas pastorais de Paulo a Timóteo e a Tito, "são" significa confiável, preciso ou fiel. Em sua raiz etimológica é uma figura do mundo médico que significa inteiro ou saudável. Lemos em 1 Timóteo 1 que a sã doutrina é amoldada pelo evangelho e que ela se opõe à impiedade e ao pecado. Ainda mais claramente, em 1 Timóteo 6:3, Paulo contrasta as "falsas doutrinas" com as "sãs palavras de nosso Senhor Jesus Cristo e. . . o ensino segundo a piedade". Assim, na sua segunda carta a Timóteo, Paulo exorta Timóteo a manter “o padrão das sãs palavras que de mim ouviste” (II Timóteo 1:13). Paulo adverte Timóteo de que "haverá tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, cercar-se-ão de mestres segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos” (II Timóteo 4:3).
"Se nós fôssemos expor aqui tudo o que constitui sã doutrina, teríamos que reproduzir a Bíblia inteira."
Quando Paulo escreveu a outro jovem pastor – Tito - ele tinha preocupações semelhantes. Quem quer que Tito designasse como um presbítero, diz Paulo, teria que ser “apegado à palavra fiel, que é segundo a doutrina, de modo que tenha poder tanto para exortar pelo reto ensino como para convencer os que o contradizem” (Tito 1:9). Paulo insta Tito a reprovar falsos mestres “para que sejam sadios na fé” (Tito 1:13). E também ordena a Tito: "Tu, porém, fala o que convém à sã doutrina" (Tito 2:1).
Se nós fôssemos expor aqui tudo o que constitui sã doutrina, teríamos que reproduzir a Bíblia inteira. Mas, na prática, toda igreja decide quais são os assuntos em que precisa haver total acordo, quais admitem limitada discordância, e em quais pode haver total liberdade.
Na igreja em que ministro, em Washington DC, nós definimos que qualquer pessoa que deseje ser membro deve acreditar na salvação pela obra de Jesus Cristo apenas. Também confessamos as mesmas (ou bastante parecidas) convicções quanto ao batismo do crente e ao governo da igreja. Uniformidade nestes dois pontos não é essencial à salvação, mas acordo neles é útil na prática e saudável para a vida da igreja.
"Para que possamos aprender a sã doutrina da Bíblia, nós precisamos encarar doutrinas que podem ser difíceis, ou até mesmo potencialmente divisionistas, mas que são fundamentais para compreendermos o trabalho de Deus entre nós."
Pode-se permitir alguma discordância sobre assuntos que não parecem ser necessários à salvação, nem à vida prática da igreja. Assim, por exemplo, apesar de todos nós concordamos que Cristo voltará, não ficamos surpresos ao perceber que há discordância entre nós quanto ao momento certo do Seu retorno. Pode-se desfrutar de total liberdade em assuntos ainda menos centrais ou de pouca clareza, como a validade da resistência armada, ou a autoria do livro de Hebreus.
Em tudo isso, o princípio deve estar claro: quanto mais próximos chegarmos ao coração da nossa fé, mais devemos esperar ver nossa unidade expressa em um entendimento compartilhado dessa fé. A igreja primitiva colocou este princípio da seguinte forma: no essencial, unidade; no não essencial, diversidade; e em tudo amor.
O ensino saudável inclui um compromisso claro com doutrinas freqüentemente negligenciadas, porém claramente bíblicas. Para que possamos aprender a sã doutrina da Bíblia, nós precisamos encarar doutrinas que podem ser difíceis, ou até mesmo potencialmente divisionistas, mas que são fundamentais para compreendermos o trabalho de Deus entre nós. Por exemplo, a doutrina bíblica da eleição é freqüentemente evitada por ser considerada muito complexa, ou muito confusa. Seja como for, é inegável que esta doutrina é bíblica, e que é importante. Enquanto possa ter implicações que nós não entendemos plenamente, não é algo pequeno considerar que nossa salvação no final das contas procede de Deus em vez de nós mesmos. Outras perguntas importantes cujas respostas bíblicas também vêm sendo negligenciadas:
• Pessoas são basicamente ruins ou boas? Elas precisam tão somente de encorajamento e de um aumento de auto-estima, ou elas precisam de perdão e nova vida?
• O que Jesus Cristo fez morrendo na cruz? Ele tornou possível uma opção, ou Ele foi nosso substituto?
• O que acontece quando alguém se torna um cristão?
• Se nós somos cristãos, podemos estar seguros de que Deus continuará cuidando de nós? Neste caso, o Seu cuidado contínuo baseia-se em nossa fidelidade, ou na dEle?
Todas estas perguntas não são simplesmente questões para teólogos eruditos ou para jovens estudantes de seminário. Elas são importantes para todo cristão. Aqueles de nós que são pastores sabem quão diferentemente nós pastorearíamos nosso povo se nossa resposta a qualquer uma destas perguntas fosse alterada. Fidelidade às Escrituras exige que nós falemos sobre estes assuntos com clareza e autoridade.
"Designar como líder uma pessoa que duvida da soberania de Deus ou que entende mal o ensino bíblico sobre esses assuntos é colocar como exemplo uma pessoa que pode estar muito pouco disposta a confiar em Deus."
Nosso entendimento do que a Bíblia ensina a respeito de Deus é crucial. O Deus Bíblico é Criador e Senhor; e ainda assim Sua soberania às vezes é negada até mesmo dentro da igreja. Cristãos confessos que resistem à idéia da soberania de Deus na criação ou na salvação estão, na verdade, brincando com um paganismo piedoso. Muitos cristãos têm questionamentos honestos sobre a soberania de Deus, mas uma negação contínua, tenaz, da soberania de Deus deveria nos deixar preocupados. Batizar uma pessoa assim, pode significar o batismo de um coração que ainda é de algum modo incrédulo. Admitir tal pessoa na membresia significa tratá-la como se ela confiasse em Deus, quando na verdade ela não confia.
Por mais perigosa que tal resistência seja em um cristão qualquer, ela é ainda mais perigosa no líder de uma congregação. Designar como líder uma pessoa que duvida da soberania de Deus ou que entende mal o ensino bíblico sobre esses assuntos é colocar como exemplo uma pessoa que pode estar muito pouco disposta a confiar em Deus. Tal indicação está fadada a ser um forte obstáculo para a igreja.
Atualmente a nossa cultura freqüentemente nos encoraja a transformarmos o evangelismo em propaganda e explica a obra do Espírito em termos de marketing. O próprio Deus às vezes é moldado à imagem do homem. Em tempos assim, uma igreja saudável deve ter um cuidado especial em orar por líderes que tenham uma compreensão bíblica e experimental da soberania de Deus e um compromisso com a sã doutrina, em sua absoluta glória bíblica. Uma igreja saudável é marcada pela pregação expositiva e por uma teologia bíblica.


Marcas de uma igreja saudável: Marca 3 - Uma Compreensão Bíblica quanto às Boas Novas
Mark Dever
É particularmente importante que se tenha uma teologia bíblica em uma área especial da vida da igreja: a nossa compreensão a respeito das boas novas de Jesus Cristo, o evangelho. O evangelho é o coração do cristianismo, e por isso deveria ser o coração da nossa fé. Todos nós como cristãos deveríamos orar para que nós nos preocupássemos mais com as maravilhosas boas novas da salvação em Cristo do que com qualquer outra coisa na vida da igreja. Uma igreja saudável está repleta de pessoas que têm um coração voltado para o evangelho, e ter um coração voltado para o evangelho significa ter um coração voltado para a verdade: para a apresentação de Deus a respeito dEle mesmo, para a nossa necessidade, para a provisão de Cristo, e para a nossa responsabilidade.
"O evangelho é o coração do cristianismo, e por isso deveria ser o coração da nossa fé."
Quando apresento o evangelho a alguém, eu tento me lembrar de quatro pontos: Deus, o homem, Cristo e a resposta. Eu me pergunto: Compartilhei com esta pessoa a verdade sobre nosso Santo Deus e Soberano Criador? Deixei claro que nós, como seres humanos, somos uma estranha mistura: criaturas criadas à imagem de Deus e no entanto decaídas, pecadoras e separadas dEle? A pessoa com quem estou falando entende quem é Cristo - o Deus-Homem, o único mediador entre Deus e o homem, nosso substituto e Senhor ressurreto? E finalmente, mesmo que eu tenha compartilhado tudo isso com ele, será que ele entendeu que precisa responder ao evangelho, que ele tem que acreditar nesta mensagem e assim abandonar sua vida de egocentrismo e pecado?
Apresentar o evangelho como um aditivo para dar aos não-cristãos algo que naturalmente já desejam (alegria, paz, felicidade, realização, auto-estima, amor) é parcialmente verdadeiro, mas só parcialmente verdadeiro. Como J. I. Packer diz, "uma meia-verdade disfarçada em verdade inteira torna-se uma mentira completa". Fundamentalmente, todo mundo precisa de perdão. Nós precisamos de vida espiritual. Apresentar o evangelho menos radicalmente do que isso é pedir falsas conversões e uma membresia de igreja irrelevante. Tanto uma coisa como a outra tornam a evangelização do mundo ao nosso redor ainda mais difícil.
"A suprema acusação que você pode trazer contra uma igreja. . . é que aquela igreja tem pouca paixão e compaixão pelas almas humanas."
Nossos membros de igreja espalhados pelas casas, escritórios e vizinhanças vão, neste mesmo dia, entrar em contato com muito mais não-cristãos, por muito mais tempo, do que eles gastarão com cristãos em um domingo qualquer. Cada um de nós possui tremendas novas de salvação em Cristo. Não troquemos isso por qualquer outra coisa. E compartilhemos isso hoje! George W. Truett, grande líder Cristão da geração passada e pastor de Primeira Igreja Batista em Dallas, Texas, disse:
A suprema acusação que você pode trazer contra uma igreja. . . é que aquela igreja tem pouca paixão e compaixão pelas almas humanas. Uma igreja não é nada melhor que um clube ético se sua compaixão pelas almas perdidas não é transbordante, e se ela não sai para tentar levar almas perdidas ao conhecimento de Jesus Cristo.
Uma igreja saudável conhece o evangelho, e uma igreja saudável o compartilha.
Marcas de uma igreja saudável: Marca 4 - Uma Compreensão Bíblica quanto à Conversão
Mark Dever

Na primeira reunião da nossa igreja, em 1878, nós adotamos uma declaração de fé. Era uma versão fortalecida da Confissão de New Hampshire de 1833. Esta confissão tornou-se a base para a Baptist Faith and Message (“Fé e Mensagem Batista”) adotada pela Convenção Batista do Sul em 1925 e novamente, em uma versão revisada e enfraquecida, em 1963. Em nossa declaração de fé, o Artigo VIII diz o seguinte:
Nós cremos que o Arrependimento e a Fé são deveres sagrados, e também graças inseparáveis, forjadas em nossas almas pelo regenerador Espírito de Deus; pelo qual tendo sido profundamente convencidos de nossa culpa, perigo e desamparo, e do caminho da salvação por Cristo, nós nos voltamos a Deus com sincera contrição, confissão, e súplica por misericórdia; recebendo simultaneamente de todo coração o Senhor Jesus Cristo como nosso Profeta, Sacerdote e Rei, e confiando somente nEle como o único e todo suficiente Salvador.
Note o que esta declaração diz sobre nossa conversão, nossa guinada na vida. Nós nos voltamos porque estamos "profundamente convencidos de nossa culpa, perigo e desamparo, e do caminho da salvação por Cristo". E como essa guinada, que é composta de arrependimento e fé, acontece? É "forjada em nossas almas pelo regenerador Espírito de Deus". A Declaração cita então dois textos bíblicos para apoiar esta idéia: Atos 11:18: " E, ouvindo eles estas coisas, apaziguaram-se e glorificaram a Deus, dizendo: Logo, também aos gentios foi por Deus concedido o arrependimento para vida." e Efésios 2:8, " Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus". Se a nossa conversão for entendida basicamente como algo que nós fazemos a nós mesmos em vez de algo que Deus faz em nós, então entendemos tudo errado. A conversão certamente inclui a nossa ação, nós temos que fazer um compromisso sincero, uma decisão auto-consciente. Mesmo assim, conversão é muito mais que isso. A Bíblia claramente ensina que nós não estamos todos buscando a Deus, sendo que alguns acharam o caminho, enquanto outros ainda estão procurando. Pelo contrário, ela nos apresenta como pessoas que precisam ter seu coração substituído, sua mente transformada, seu espírito vivificado. Nada disso nós podemos fazer. Podemos assumir um compromisso, mas precisamos ser salvos. A mudança que cada pessoa necessita, independentemente de como parecemos ser exteriormente, é tão radical, tão próxima do âmago de cada um de nós, que só Deus pode executá-la. Nós precisamos de Deus para nos converter.
"A mudança que cada pessoa necessita, independentemente de como parecemos ser exteriormente, é tão radical, tão próxima do âmago de cada um de nós, que só Deus pode executá-la. Nós precisamos de Deus para nos converter."
Lembro-me de uma história de Spurgeon em que ele conta como ele estava entrando em Londres quando um homem bêbado aproximou-se dele, apoiou-se em poste próximo e disse, "Ei, Sr. Spurgeon, eu sou um dos seus convertidos!" Ao que Spurgeon respondeu: "Você deve mesmo ser um dos meus - certamente você não é um dos convertidos do Senhor!"
Uma conseqüência de compreender mal o ensino bíblico sobre a conversão pode bem ser que as igrejas evangélicas estão cheias de pessoas que fizeram compromissos sinceros em certo ponto das suas vidas, mas que evidentemente não experimentaram a mudança radical que a Bíblia apresenta como conversão. De acordo com um recente estudo da Convenção Batista do Sul, os batistas do sul (a minha própria denominação) têm uma taxa de divórcio que realmente supera a média nacional na América. A causa de tal “testemunho às avessas” entre os que são considerados seguidores de Cristo deve ser, pelo menos em parte, uma pregação não-bíblica sobre a conversão.
Certamente a conversão não precisa ser uma experiência emocionalmente acalorada, mas precisa ser provada pelo seu fruto para ver se é de fato o que a Bíblia considera verdadeira conversão. Entender a apresentação bíblica do que é conversão é uma das marcas de uma igreja saudável.
Marcas de uma igreja saudável: Marca 6 - Uma Compreensão Bíblica quanto à Membresia da Igreja
Mark Dever

Há um sentido em que o que nós conhecemos hoje como "membresia de igreja" não é bíblico. Não temos nenhum registro de um cristão do primeiro século que vivia, por exemplo, em Jerusalém Central e aí precisasse decidir se deveria se envolver com uma assembléia particular de cristãos em vez de alguma outra. Até onde podemos perceber, não havia troca-troca de igrejas porque só havia uma igreja em uma determinada comunidade. Nesse sentido, não sabemos de nenhum rol de membros de igreja no Novo Testamento. Mas existem listas de pessoas ligadas de alguma forma à igreja no Novo Testamento. Temos tanto as listas de viúvas sustentadas pela igreja (1 Timóteo 5) quanto os nomes escritos no Livro da Vida do Cordeiro (Filipenses 4:3; Apocalipse 21:27). E há passagens no Novo Testamento que apontam para definição e limites claros à membresia de uma igreja. As igrejas sabiam quem compunha o seu rol de membros. Por exemplo, as cartas de Paulo para a igreja de Corinto mostram que alguns indivíduos seriam excluídos (por exemplo, 1 Coríntios 5) e que alguns seriam incluídos (por exemplo, 2 Coríntios 2). Nesse segundo exemplo, Paulo menciona até mesmo uma "maioria" das pessoas (2 Coríntios 2:6) que são citadas como tendo infligido a “punição" de exclusão da igreja. Essa "maioria" só poderia estar se referindo a uma maioria do grupo das pessoas que foram reconhecidas como membros da igreja.
A prática da membresia de igreja entre cristãos desenvolveu-se como uma tentativa para nos ajudar a perceber um ao outro em responsabilidade e amor. Identificando-nos com uma igreja particular, permitimos que os pastores e demais membros daquela igreja local saibam que nós pretendemos manter um compromisso na freqüência, na oferta, na oração e no serviço. Nós ampliamos as expectativas de outros em relação a nós mesmos nessas áreas, e tornamos claro que estamos sob a responsabilidade desta igreja local. Nós asseguramos a igreja quanto ao nosso compromisso com Cristo ao servir com eles, e pedimos o compromisso deles quanto a nos servir em amor e nos encorajar em nosso discipulado.
Neste sentido, a membresia é uma idéia bíblica. Dentre outras coisas, procede do uso que Paulo faz da imagem do corpo para a igreja local. Procede de Cristo nos salvando por Sua graça e colocando-nos nas igrejas para servi-lO em amor enquanto servimos uns aos outros. Procede de nossas obrigações mútuas expressas nas passagens das Escrituras que falam sobre "juntos" e "uns aos outros". Tudo isso está encapsulado no pacto de uma igreja saudável.
Não deveria ser nenhuma surpresa que quando se traz a visão quanto ao evangelismo, conversão e Evangelho para mais para perto da Bíblia há implicações quanto à forma como se concebe a membresia de igreja. Quando isso ocorre começamos a ver a membresia menos como uma ligação frouxa eventualmente útil e mais como uma responsabilidade regular que envolve as vidas uns dos outros para o progresso do evangelho.
"Membros descompromissados confundem tanto os verdadeiros membros quanto os não-cristãos sobre o que significa ser cristão. E os membros "ativos" não fazem nenhum bem aos voluntariamente "inativos" quando lhes permitem permanecer como membros da igreja; porque a membresia é o endosso corporativo da igreja quanto à salvação de uma pessoa."
Não é nada incomum haver um abismo entre o rol de membros de uma igreja e o número de pessoas ativamente envolvidas. Imagine uma igreja de 3.000 membros com uma freqüência regular de apenas 600. Temo que, infelizmente, muitos pastores evangélicos hoje se orgulham mais da membresia declarada do que se incomodam com a baixa freqüência. De acordo com um recente estudo da Convenção Batista do Sul, isto é normal nas igrejas da denominação. A igreja batista do sul típica tem 233 membros e 70 pessoas no culto dominical matutino. Será que a nossa igreja está em melhor estado? Que congregações têm orçamentos que igualam – para não dizer excedem - 10% das rendas anuais combinadas dos seus membros?
Com exceção dos casos em que há limitações físicas que impedem a freqüência ou problemas financeiros que impedem a oferta, esta situação não sugere que a membresia vem sendo apresentada como não necessariamente requerendo envolvimento? Afinal o que este número de membros significa? Números escritos podem tornar-se ídolos tão facilmente quanto imagens esculpidas - talvez até mais facilmente. Entretanto será Deus que um dia avaliará nossas vidas, e Ele verificará o peso do nosso trabalho, creio eu, em vez de contar nossos números. Se a igreja é um edifício, então nós devemos ser tijolos nele; se a igreja é um corpo, então nós somos seus membros; se a igreja é a família da fé, presume-se que nós fazemos parte dessa família. Ovelhas permanecem no rebanho, e ramos na videira. Biblicamente, se uma pessoa é cristã ela precisa ser membro de uma igreja. Deixando os aspectos particulares de lado - se o rol de membros é mantido em fichários ou em discos de computador – o certo é que não devemos deixar de congregar-nos (Hebreus 10:25). Esta condição de membro não é um simples registro de uma declaração que fizemos uma vez no passado ou o apego a um lugar familiar. Deve ser o reflexo de um compromisso vivo, ou então é inútil e até mesmo pior que inútil: é uma condição perigosa.
Membros descompromissados confundem tanto os verdadeiros membros quanto os não-cristãos sobre o que significa ser cristão. E os membros "ativos" não fazem nenhum bem aos voluntariamente "inativos" quando lhes permitem permanecer como membros da igreja; porque a membresia é o endosso corporativo da igreja quanto à salvação de uma pessoa. Mais uma vez, isto deve ser claramente entendido: a membresia em uma igreja é o testemunho corporativo daquela igreja quanto à salvação do membro individual. Entretanto, como pode uma congregação testemunhar honestamente que alguém invisível para ela está correndo a corrida com fidelidade? Se membros deixaram nossa companhia e não foram para alguma outra igreja bíblica, que evidência nós podemos fornecer de que eles alguma vez fizeram parte de nós? Não necessariamente nós sabemos se tais pessoas descompromissadas são ou não cristãs; nós simplesmente não podemos afirmar que elas são. Nós não precisamos lhes dizer que nós sabemos que elas vão para Inferno, nós só não podemos lhes dizer que nós sabemos que eles vão para o Céu.
"Jamais deveríamos permitir às pessoas permanecerem no rol de membros de nossas igrejas por razões sentimentais. Biblicamente falando, tal membresia não é membresia alguma."
Para que uma igreja pratique uma membresia eclesiástica bíblica não é preciso perfeição, mas honestidade. Não pede decisões nuas e cruas, mas um verdadeiro discipulado. Não é composto somente de experiências individuais, mas de afirmações corporativas daqueles que estão em aliança com Deus e uns com os outros. Pessoalmente, eu espero ver os números da membresia da igreja em que sirvo tornando-se mais significativos, de tal forma que todos os que são membros de nome tornem-se membros de verdade. Para muitos, isto significou ter seus nomes removidos de nosso rol (mas não de nossos corações). Para outros, significou um compromisso renovado com a vida de nossa igreja. Novos membros estão sendo instruídos na fé e na vida de nossa igreja. Muitos de nossos membros antigos precisam de instrução semelhante e de encorajamento. Conforme fomos nos tornando a Igreja Batista saudável que éramos historicamente, nossa freqüência voltou a exceder o número de membros mais uma vez. Certamente este deveria ser o seu desejo para a sua igreja também.
A recuperação de uma cuidadosa de membresia de igreja trará muitos benefícios. Tornará o nosso testemunho aos não-cristãos mais claro. Também ficará mais difícil para a ovelha mais fraca vaguear longe do aprisco, enquanto ainda se considera ovelha. Auxiliará a dar forma e foco ao discipulado de cristãos mais maduros. Ajudará nossos líderes eclesiásticos a saberem com mais precisão por quem eles são responsáveis. E em tudo isso, Deus será glorificado.
Ore para que a o rol de membros das igrejas passe a ser algo mais do que é atualmente, de forma que nós possamos conhecer melhor por quem nós somos responsáveis, para possamos orar por eles, encorajá-los e desafiá-los. Jamais deveríamos permitir às pessoas permanecerem no rol de membros de nossas igrejas por razões sentimentais. Biblicamente falando, tal membresia não é membresia alguma. No pacto de nossa igreja nós nos comprometemos a "Caso nos mudemos deste lugar para outro, iremos procurar o mais rápido possível alguma outra igreja onde possamos colocar em prática o espírito deste pacto e os princípios da Palavra de Deus." Esse compromisso é parte integrante de um discipulado saudável, particularmente em nossos dias altamente transientes.
Ser membro de uma igreja significa ser incorporado de forma prática no corpo de Cristo. Significa viajarmos juntos como estrangeiros e peregrinos neste mundo enquanto caminhamos rumo ao nosso lar celestial. Certamente outra marca de uma igreja saudável é uma compreensão bíblica quanto à membresia de igreja.
Marcas de uma igreja saudável: Marca 7 - Disciplina Eclesiástica Bíblica
Mark Dever

A sétima marca de uma igreja saudável é a prática regular da disciplina eclesiástica. Uma prática bíblica de disciplina eclesiástica dá significado a ser um membro de igreja. Embora tenha sido praticada pelas igrejas de forma generalizada desde os tempos de Cristo, nas últimas gerações a prática vem desaparecendo da vida regular da igreja evangélica.
Nós, humanos, fomos originalmente criados para carregar a imagem de Deus, para sermos testemunhas do caráter de Deus à Sua criação (Gênesis 1:27). Assim, não é nenhuma surpresa que ao longo do Velho Testamento, conforme Deus formava um povo para Si, Ele os instruísse em santidade, para que o caráter deles se aproximasse melhor do Seu (veja Levítico 19:2; Provérbios 24:1, 25). Essa era a base para corrigir e excluir alguns até mesmo da comunidade, no Antigo Testamento (como em Números 15:30-31). E é também a base para amoldar a igreja do Novo Testamento (veja 2 Coríntios 6:14-7:1; 13:2; 1 Timóteo 6:3-5; 2 Timóteo 3:1-5).
Entretanto, toda essa idéia parece ser muito negativa para as pessoas de hoje. Afinal de contas, nosso Senhor Jesus não proibiu o julgamento em Mateus 7:1? Certamente em certo sentido Jesus proibiu o julgamento em Mateus 7:1; mas naquele mesmo Evangelho, também muito claramente, Jesus nos conclama a repreender a outros por causa do pecado e até mesmo, em última instância, repreendê-los publicamente (Mateus 18:15-17; cf. Lucas 17:3). Portanto, seja o que for que Jesus pretendesse dizer proibindo o julgamento em Mateus 7:1, certamente Ele não pretendia lançar fora tudo o que está contido na palavra portuguesa "julgar".
"Não é nenhuma surpresa que devamos ser ensinados a julgar. Afinal de contas, se nós não podemos dizer como um cristão não deve viver, como poderemos dizer como ele ou ela deve viver?"
O próprio Deus é um Juiz. Ele o foi no Jardim do Éden, e nós permanecemos sob o seu justo juízo enquanto nos mantivermos em nossos pecados. No Antigo Testamento Deus julgou tanto nações como indivíduos e no Novo Testamento nós cristãos somos advertidos de que nossas obras serão julgadas (veja 1 Coríntios 3). Em amor Deus disciplina Seus filhos, e em ira Ele condenará os ímpios (veja Hebreus 12). É claro que, no último dia, Deus se revelará como Juiz definitivo (veja Apocalipse 20). Em todo esse julgamento, Deus nunca está errado, Ele é sempre justo (veja Josué 7; Mateus 23; Lucas 2; Atos 5; Romanos 9).
Para muitos, hoje, é surpreendente descobrir que Deus planeja que outros julguem também. Ao Estado é dada a responsabilidade de julgar (veja Romanos 13). Somos chamados a julgar a nós mesmos (veja 1 Coríntios 11:28; Hebreus 4; 2 Pedro 1:5). Também somos chamados a julgar uns aos outros na igreja (embora não do modo definitivo com que Deus julga). As palavras de Jesus em Mateus 18, de Paulo em 1 Coríntios 5-6, e muitas outras passagens claramente mostram que a igreja deve exercer julgamento internamente e que esse julgamento tem propósitos de redenção, não de vingança (Romanos 12:19). No caso do homem adúltero em Corinto e dos falsos mestres em Éfeso, Paulo disse que eles deveriam ser excluídos da igreja e deveriam ser entregues a Satanás de forma que eles pudessem ser melhor instruídos e suas almas pudessem ser salvas (veja 1 Coríntios 5; 1 Timóteo 1).
Não é nenhuma surpresa que devamos ser ensinados a julgar. Afinal de contas, se nós não podemos dizer como um cristão não deve viver, como poderemos dizer como ele ou ela deve viver? Uma das minhas preocupações em relação aos programas de discipulado de muitas igrejas é que eles estão como que vertendo água em baldes furados - toda a atenção se volta ao que é vertido, sem preocupação sobre como é recebido e mantido.
Um escritor do movimento de crescimento de igrejas resumiu recentemente a sua recomendação para ajudar uma igreja a crescer: "Abra a porta da frente e feche a porta dos fundos." Com isso ele quer dizer que nós deveríamos trabalhar para tornar a igreja mais acessível às pessoas e fazer um melhor trabalho de acompanhamento. As duas metas são boas. Entretanto, a maioria dos pastores de hoje já desejam ter igrejas com tais portas da frente abertas e portas dos fundos fechadas. Por outro lado, tentar seguir um modelo bíblico deveria nos conduzir a seguinte estratégia: "Feche a porta da frente e abra a porta dos fundos." Em outras palavras, torne mais difícil unir-se à igreja por um lado, e mais fácil ser excluído, por outro. Tais ações ajudarão a igreja a recuperar sua cativante e divinamente planejada distinção do mundo.
"Esta disciplina deveria se refletir primeiramente na maneira como nós, igrejas, aceitamos novos membros. Exigimos que aqueles que estão se tornando membros sejam conhecidos por nós como pessoas que estão vivendo vidas que honram a Cristo? Entendemos a seriedade do compromisso que nós estamos fazendo com eles e que eles estão fazendo conosco?"
Esta disciplina deveria se refletir primeiramente na maneira como nós, igrejas, aceitamos novos membros. Exigimos que aqueles que estão se tornando membros sejam conhecidos por nós como pessoas que estão vivendo vidas que honram a Cristo? Entendemos a seriedade do compromisso que nós estamos fazendo com eles e que eles estão fazendo conosco? Se nós formos mais cuidadosos quanto a como nós reconhecemos e recebemos novos membros, teremos menos chance de ter que praticar a disciplina corretiva depois.
É claro que qualquer tipo de disciplina eclesiástica pode ser mal feita. No Novo Testamento, somos ensinados a não julgar outros por motivos que nós mesmos imputamos a eles (veja Mateus 7:1), ou julgar uns aos outros em assuntos que não são essenciais (veja romanos 14 e 15). Esse assunto está repleto de problemas de aplicação pastoral, mas nós precisamos lembrar que tudo na vida cristã é difícil e sujeito a abusos. Nossas dificuldades não deveriam servir como desculpas para não haver a prática. Cada igreja local tem a responsabilidade de julgar a vida e os ensinamentos de seus líderes, e até mesmo de seus membros; particularmente na medida em que qualquer um deles possa comprometer o testemunho da igreja quanto ao Evangelho (veja Atos 17; 1 Coríntios 5; 1 Timóteo 3; Tiago 3:1; 2 Pedro 3; 2 João).
Disciplina eclesiástica bíblica é simplesmente obediência a Deus e uma simples confissão de que nós precisamos de ajuda. Seguem cinco razões positivas para tal disciplina corretiva na igreja. Seu propósito é positivo (1) para o indivíduo que está sendo disciplinado, (2) para outros cristãos na medida em que vêem o perigo do pecado, (3) para a saúde da igreja como um todo e (4) para o testemunho corporativo da igreja. E, acima de tudo, (5) nossa santidade deve refletir a santidade de Deus. Ser membro da igreja deveria significar alguma coisa, não para nosso orgulho, mas por causa do nome de Deus. Disciplina eclesiástica bíblica é outra marca de uma igreja saudável.
Marcas de uma igreja saudável: Marca 8 - Cuidado em Promover o Discipulado Cristão e o Crescimento
Mark Dever

Outra marca distintiva de uma igreja saudável é uma preocupação penetrante com o crescimento da igreja - não simplesmente com o crescimento numérico, mas com o crescimento pessoal dos membros. Algumas pessoas pensam que alguém pode ser um "bebê em Cristo" pela vida inteira. O crescimento é visto como um item opcional reservado para discípulos particularmente zelosos. Entretanto, crescimento é um sinal de vida. Árvores que crescem são árvores vivas, e animais que crescem são animais vivos. Crescimento envolve aumento e avanço. Em muitas áreas da nossa experiência do dia a dia, quando algo deixa de crescer, morre.
Paulo esperava que os coríntios crescessem na sua fé Cristã (2 Coríntios 10:15). Os efésios, ele esperava, cresceriam “naquele que é o Cabeça, Cristo" (Efésios 4:15; cf. Colossenses 1:10; 2 Tessalonicenses 1:3). Pedro exortou alguns cristãos primitivos para que desejassem "como crianças recém-nascidas, o genuíno leite espiritual, para que, por ele, vos seja dado crescimento para salvação" (1 Pedro 2:2). É tentador para os pastores reduzirem suas igrejas a estatísticas controláveis de freqüência, batismos, ofertas e membresia, nas quais o crescimento é tangível. Porém tais estatísticas ficam muito aquém do verdadeiro crescimento que Paulo descreve e que Deus deseja.
"Algumas pessoas pensam que alguém pode ser um "bebê em Cristo" pela vida inteira. O crescimento é visto como um item opcional reservado para discípulos particularmente zelosos."
No seu Treatise Concerning Religious Affections (Tratado Relativo ás Afeições Religiosas), Jonathan Edwards sugeriu que o verdadeiro crescimento no discipulado cristão não é, em última instância, mera excitação, uso crescente de linguagem religiosa, ou o conhecimento crescente das Escrituras. Não é nem mesmo um evidente acréscimo em alegria ou em amor ou em interesse pela igreja. Até mesmo o aumento no zelo e no louvor a Deus e a confiança da própria fé não são evidências infalíveis do verdadeiro crescimento cristão. O que é então? De acordo com Edwards, enquanto todas essas coisas podem ser evidências de um verdadeiro crescimento cristão, o único sinal observável certo é uma vida de santidade crescente, arraigada na abnegação cristã. A igreja deveria ser marcada por uma preocupação vital com este tipo de piedade crescente nas vidas de seus membros.
Como vimos na sétima marca, uma das conseqüências não intencionais da negligência da igreja com a disciplina é o aumento da dificuldade em ver discípulos crescendo. Em uma igreja indisciplinada, os exemplos não são claros e os modelos são confusos. Nenhum jardineiro planta intencionalmente ervas daninhas. Ervas daninhas são, por si mesmas, indesejáveis, e elas podem ter efeitos nocivos sobre as plantas ao redor. O plano de Deus para a igreja local não nos permite deixar que as ervas daninhas fujam ao controle.
Boas influências em uma comunidade de crentes podem ser ferramentas nas mãos de Deus para fazer o Seu povo crescer. Conforme o povo de Deus é edificado e cresce unido em santidade e no amor que se doa, deveria também melhorar sua habilidade de administrar a disciplina e encorajar o discipulado. A igreja tem a obrigação de ser um dos meios de Deus para o crescimento das pessoas na graça. Se, em vez disso, ela é um lugar onde só os pensamentos do pastor são ensinados, onde Deus é questionado mais do que adorado, onde o Evangelho é diluído e o evangelismo pervertido, onde a membresia da igreja é tornada sem sentido, e um culto mundano à personalidade é deixado crescer ao redor da pessoa do pastor, então dificilmente as pessoas podem esperar encontrar uma comunidade que é coesa ou edificante. Tal igreja certamente não glorificará a Deus.
"Como vimos na sétima marca, uma das conseqüências não intencionais da negligência da igreja com a disciplina é o aumento da dificuldade em ver discípulos crescendo."
Deus é glorificado por meio de igrejas que estão crescendo. Esse crescimento pode se manifestar de muitas formas diferentes: pelo aumento de pessoas chamadas para missões; por membros mais velhos que começam a sentir um senso renovado da sua responsabilidade no evangelismo; por meio de funerais a que os membros mais jovens da congregação comparecem simplesmente pelo amor que têm aos membros mais velhos; pelo aumento na oração, e pelo desejo por mais pregação; por reuniões da igreja caracterizadas por conversações genuinamente espirituais; pelo aumento nas ofertas, e por membros que ofertam mais sacrificialmente; por mais membros que compartilham o evangelho com outros; por pais que redescobrem a sua responsabilidade em educar seus filhos na fé. Esses são apenas alguns exemplos do tipo de crescimento na igreja pelo qual os cristãos oram e trabalham.
Quando vemos uma igreja que é composta por membros que crescem na semelhança com Cristo quem recebe o crédito ou a glória? "O crescimento veio de Deus. De modo que nem o que planta é alguma coisa, nem o que rega, mas Deus, que dá o crescimento." (1 Coríntios 3:6b -7; cf. Colossenses 2:19). Portanto a bênção final de Pedro para aqueles cristãos primitivos a quem ele escreveu era uma oração expressa no imperativo: "crescei na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. A ele seja a glória, tanto agora como no dia eterno. (2 Pedro 3:18)." Nós poderíamos pensar que nosso crescimento traria glória para nós mesmos. Mas Pedro sabia que não era assim. “Mantendo exemplar o vosso procedimento no meio dos gentios, para que, naquilo que falam contra vós outros como de malfeitores, observando-vos em vossas boas obras, glorifiquem a Deus no dia da visitação. (1 Pedro 2:12)." Ele obviamente lembrou-se das palavras de Jesus: Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras” - e certamente aqui nós pensaríamos que seria natural cair na armadilha da auto-admiração, mas Jesus continuou - "e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus" (Mateus 5:16). Trabalhar para promover o discipulado cristão e o crescimento é outra marca de uma igreja saudável.
Marcas de uma igreja saudável: Marca 9 - Liderança Bíblica na Igreja
Mark Dever

Que tipo de liderança uma igreja saudável possui? Uma congregação, comprometida com Cristo, preparada para servir? Sim. Diáconos que são modelos de serviço nos assuntos da igreja? Sim. Um pastor que é fiel na pregação da Palavra de Deus? Sim. Mas biblicamente, há uma outra coisa que também faz parte da liderança de uma igreja saudável: presbíteros.
Como pastor, eu oro para que Cristo levante na nossa congregação homens cujos dons espirituais e cuidado pastoral indiquem que Deus os chamou a serem presbíteros ou bispos (as palavras são usadas indistintamente na Bíblia; veja por exemplo, em Atos 20). Eu oro para que Deus faça crescer e capacite tais discípulos para o trabalho de supervisão pastoral da nossa congregação e para o seu ensino. Se ficar claro que Deus concedeu dons a certo homem na igreja, e se, depois de muita oração, a igreja reconhece seus dons, então ele deveria ser escolhido como um presbítero.
Todas as igrejas tiveram indivíduos que executaram as funções de presbíteros, mesmo que lhes tenham chamado por outros nomes. O dois nomes usados pelo Novo Testamento para este ofício são episcopos (supervisor, bispo) e presbuteros (presbítero, ancião). Quando evangélicos ouvem a palavra "presbítero", muitos imediatamente pensam em "presbiteriano", contudo os primeiros congregacionalistas, no século XVI, ensinavam que o presbiterato era um dos ofícios em uma igreja neotestamentária. Presbíteros podiam ser encontrados nas igrejas batistas nos Estados Unidos ao longo do século XVIII e no século XIX. De fato, o primeiro presidente da Convenção Batista do Sul, W. B. Johnson, escreveu um tratado no qual ele pedia que a prática de ter uma pluralidade de presbíteros fosse reconhecida como bíblica e seguida em um número maior de igrejas batistas. O argumento de Johnson foi ignorado. Seja por desatenção para com a Bíblia, ou pela pressão da vida na fronteira onde as igrejas estavam crescendo a uma taxa surpreendente, a prática de cultivar tal liderança declinou. Mas a discussão em documentos batistas quanto a reavivar este ofício bíblico continuou. Até no início do século vinte, publicações batistas continuavam se referindo a líderes pelo título de "presbíteros".
"Mas biblicamente, há uma outra coisa que também faz parte da liderança de uma igreja saudável: presbíteros."
Batistas e presbiterianos tem tido duas diferenças básicas nas suas compreensões quanto aos presbíteros. Primeiro e fundamentalmente, batistas são congregacionalistas. Quer dizer, eles entendem que o discernimento final nos assuntos da igreja repousa não com os presbíteros em uma congregação (ou além dela, como no modelo presbiteriano), mas com a congregação como um todo. Então, batistas dão ênfase à natureza consensual de ação da igreja. Portanto, em uma igreja batista, os presbíteros e todas as outras comissões e comitês agem no que é, em última instância, uma capacidade aconselhadora para a congregação inteira.
Uma nota adicional se faz necessária sobre a autoridade da congregação reunida. Nada diferente da congregação local reunida é o tribunal final de apelação sob Cristo. Sempre de novo no Novo Testamento, nós achamos evidência do que parecia ser uma forma primitiva de congregacionalismo. Em Mateus 18 quando Jesus estava ensinando os Seus discípulos sobre como confrontar o irmão pecador, o tribunal final não é o grupo de presbíteros, nem um bispo ou um papa, nem um conselho ou uma convenção. O tribunal final é a congregação. Em Atos 6, os apóstolos entregaram a decisão quanto aos diáconos para a congregação.
Nas cartas de Paulo, também encontramos evidência desta suposição da responsabilidade final da congregação. Em 1 coríntios 5, Paulo não culpou o pastor, os presbíteros ou os diáconos, mas a congregação como um todo por tolerar o pecado. Em 2 Coríntios 2, Paulo refere-se ao que a maioria deles tinha feito disciplinando um membro errante. Em Galatás, Paulo conclamou as congregações para julgarem o ensino que eles estavam ouvindo. Em 2 Timóteo 4, Paulo não reprovou somente os falsos mestres, mas também aqueles que os pagavam para ensinar o que aqueles que tinham coceira nos ouvidos queriam ouvir. Os presbíteros lideram, mas eles assim fazem biblicamente e necessariamente dentro dos limites reconhecidos pela congregação.
"Então, batistas dão ênfase à natureza consensual de ação da igreja. Portanto, em uma igreja batista, os presbíteros e todas as outras comissões e comitês agem no que é, em última instância, uma capacidade aconselhadora para a congregação inteira."
A segunda discordância é quanto ao papel e responsabilidades dos presbíteros. Presbiterianos tenderam a dar ênfase à declaração de Paulo a Timóteo em 1 Timotéo 5:17, "Devem ser considerados merecedores de dobrados honorários os presbíteros que presidem bem, com especialidade os que se afadigam na palavra e no ensino." A última frase, alguns argumentaram, claramente sugere que haviam anciões cujo trabalho principal não era pregar ou ensinar, mas governar ou reger. Esta é a origem da distinção entre os “presbíteros regentes” (presbíteros leigos) e “presbíteros docentes" (pastores) presbiterianos.
Mas "especialmente" (ou “com especialidade”) é uma tradução questionável da palavra malista que, neste contexto, fica melhor traduzida por "certamente" ou "particularmente”. Um pouco antes em 1 Timóteo 4:10, lê-se, "porquanto temos posto a nossa esperança no Deus vivo, Salvador de todos os homens, especialmente (malista) dos fiéis." Paulo parece estar indicando que tantas pessoas serão salvas sem crer quantas dirigirão os negócios da igreja sem pregar e ensinar: em outras palavras, nenhuma.
Batistas tenderam a dar ênfase ao caráter intercambiável dos termos "presbítero” (ou “ancião”), "bispo" (ou “supervisor”) e "pastor" no Novo Testamento, e mostraram que em 1 Timóteo 3:2, Paulo falou a Timóteo claramente que os anciões devem ser "aptos a ensinar." E ele escreveu a Tito que o presbítero deve ser "apegado à palavra fiel, que é segundo a doutrina, de modo que tenha poder tanto para exortar pelo reto ensino como para convencer os que o contradizem" (Tito 1:9). Os batistas, portanto, freqüentemente negaram a conveniência de ter presbíteros que não são capazes de ensinar as Escrituras.
Porém, no que os batistas e os presbiterianos do século dezoito freqüentemente concordavam, era que deveria haver uma pluralidade de presbíteros em cada igreja local. Embora o Novo Testamento nunca sugira um número específico de presbíteros para uma congregação em particular, ele refere-se claramente a "presbíteros", no plural, nas igrejas locais (por exemplo, Atos 14:23; 16:4; 20:17; 21:18; Tito 1:5; Tiago 5:14). Minha própria experiência confirma para mim a utilidade de seguir a prática neotestamentária de ter, onde possível, mais presbíteros em uma igreja local do que simplesmente o solitário pastor, e de tê-los dentre as pessoas arraigadas na congregação. Esta prática é incomum entre as igrejas batistas hoje, mas há uma tendência crescente - e por uma boa razão. Foi necessário nas igrejas do Novo Testamento, e é necessário agora.
"Os presbíteros lideram, mas eles assim fazem biblicamente e necessariamente dentro dos limites reconhecidos pela congregação."
Isto não significa que o pastor não tem nenhum papel distintivo. Há muitas referências no Novo Testamento à pregação e pregadores que não se aplicariam a todos os presbíteros numa congregação. Assim, em Corinto, Paulo se entregou exclusivamente à pregação de uma forma que presbíteros leigos em uma congregação não poderiam (Atos 18:5; cf. 1 Coríntios 9:14; 1 Timóteo 4:13; 5:17). Pregadores pareciam ir expressamente a uma algum local para pregar (Romanos 10:14-15), apesar de aparentemente presbíteros já fazerem parte da comunidade (Tito 1:5). (Para mais informações sobre esta distinção, veja Uma Exibição da Glória de Deus - A Display of God’s Glory, [CCR: 2001].)
Entretanto, precisamos lembrar que o pregador, ou pastor, também é fundamentalmente um dos presbíteros da sua congregação. Isso significa que decisões que envolvem a igreja, mas que não requerem a atenção de todos os membros, não deveriam recair sobre o pastor apenas, mas sobre os presbíteros como um todo. Apesar de isso ser, às vezes, incômodo, traz os imensos benefícios de arredondar os dons do pastor, compensando alguns dos seus defeitos, complementando o seu julgamento, e criando apoio na congregação para as decisões, deixando os líderes menos expostos a críticas injustas. Também torna a liderança mais arraigada e permanente, e permite uma continuidade mais amadurecida. Também encoraja a igreja a assumir mais responsabilidade por sua própria espiritualidade e torna a igreja menos dependente dos seus empregados.
Muitas igrejas modernas têm uma tendência de confundir os presbíteros com a diretoria da igreja ou com os diáconos. Os diáconos, também, preenchem um ofício neotestamentário, fundamentado em Atos 6. Apesar de qualquer distinção absoluta entre os dois ofícios ser difícil, as preocupações dos diáconos são os detalhes práticos da vida da igreja: administração, manutenção, e o cuidado de membros da igreja com necessidades físicas. Em muitas igrejas hoje, os diáconos assumiram algum papel espiritual; mas a maior parte foi simplesmente deixada para o pastor. Seria benéfico para a igreja voltar a distinguir o papel de presbítero do de diácono.
O presbiterato é o ofício bíblico que eu exerço como pastor: Eu sou o principal presbítero pregador. Mas todos os presbíteros deveriam trabalhar juntos para a edificação da igreja, reunindo-se regularmente para orar e discutir, ou para formular recomendações para os diáconos ou para a igreja. Claramente, esta é uma idéia bíblica que tem grande valor prático. Se implementada em nossas igrejas, poderia ajudar imensamente os pastores removendo peso dos seus ombros e removendo até mesmo as suas próprias pequenas tiranias das suas igrejas. De fato, a prática de reconhecer leigos piedosos, perspicazes e fiéis como presbíteros é outra marca de uma igreja saudável.